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Textos
OS SERVOS DO DEUS OPORTUNISTA
O povo manobrável!
Por Antônio F. Bispo
Trechos do livro “O Povo Pagão”
Parte 5
   Depois de quase 2 horas seguidas de explanação, o catedrático estava em seus últimos minutos de aula naquele dia. Além da interação com perguntas e respostas, o uso de mídias audiovisuais ainda era comum para pessoas da idade dele. Força do hábito, ele dizia.
   Depois de ajustar a imagem na tela, o professor prosseguiu:
— Entre os anos de 1950 e 2005, Deus, no caso, o deus bíblico, Senhor da maioria dos evangélicos e cristãos do mundo inteiro, em sua infinita sabedoria e razões que a razão desconhece, instruiu a alguns de seus ungidos e pastores que fosse proibido o uso de aparelhos de TVs, certos tipos ou marcas de roupas, de refrigerantes e bebidas alcoólicas, bem como o uso de cosméticos e outros “acessórios do Diabo”. Até o uso da medicina legal era questionado e o apoio às tecnologias emergentes era visto como um sinal de mundanismo e de fraqueza na fé.
    Estas afirmações trouxeram risos à classe.
    Alguns alunos, inclusive, pensaram ser piada. Outros, porém, retraíram-se em seus assentos, como se envergonhados por serem vítimas ou viverem esse tipo de abuso moral e psicológico.
    O ano era 2050 e aquela bancada de jovens universitários ali presente devia ter entre 18 e 25 anos.  Era impossível que tivessem vivido aqueles dias negros em que "Deus governava a vontade dos homens".
    Provavelmente, eles ouviram relatos de seus pais e avós que passaram tais constrangimentos.
    Desse modo, retorciam-se de vergonha, não por eles mesmos, mas por seus antepassados e pela lavagem cerebral que estes sofreram e como isso adoeceu a sociedade daqueles dias e as duas gerações seguintes, até culminar na grande revolta de 2033.
    O professor de antropologia prosseguiu:
— As mulheres eram as mais policiadas e quase tudo o que elas faziam era considerado impuro ou pecaminoso.
    Essa informação era de falto, algo de conhecimento de muitos, mesmo assim os alunos ficaram estupefatos com o que seguira.
    O professor falou:
— Em algumas igrejas evangélicas, o simples fato de uma mulher solteira andar de bicicleta, por exemplo, podia ser compreendido como um ato libidinoso, com a justificativa de que antes de tudo, o selim daquele veículo de duas rodas poderia ser usado como um instrumento de prazer e que ao pedalar, algumas mulheres, de modo proposital se deixariam levar pela luxúria, podendo inclusive chegar ao orgasmo ao se roçar naquele assento. Diziam os líderes que era possível até que alguma moça viesse perder a virgindade durante a fricção. Dizia-se também que a pomba-gira, uma suposta entidade de um culto africano, poderia apoderar-se do corpo das donzelas durante o ato, levando-as a cometerem delitos ainda maiores, como a depilação corporal para fins higiênicos ou até mesmo o aparar das pontas dos cabelos para tirar os fios quebradiços.
   Alguns levaram uma das mãos à boca, como ar de espanto. Outros acharam engraçado a "lógica" dos fatos.
   Como murmúrios, risos e balanço de cabeça em sinal de descrença, um misto de dúvida e assombro parecia tomar os rostos daqueles jovens. A classe inteira caçoou!
    Um aluno resolveu falar entre a multidão. Levantando a mão, indagou o professor:
— Tá de brincadeira, né? Isso não pode ser verdade! Como as pessoas poderiam submeter-se a isso, ainda mais pagando para ser crente?
   Em tom sério, porém com ar de ternura, o professor continuou:
— Estou falando seríssimo! Esta era a característica principal do povo pagão: achar que quanto maior fosse o vexame e a humilhação pública por parte de seus superiores ou de "pessoas sem Deus", maior seria a exaltação nos céus, ao serem recebidos por aquele que diziam ser o Cristo. Eles literalmente pagavam para serem oprimidos e reprimidos por seus líderes. Foram convencidos pelos tais de que toda aquela paranoia era exigência divina e que, ao cumpri-las, os crentes estariam rumo ao paraíso.
    O docente prosseguiu:
— Inclusive, no link de leitura para o fim de semana que recomendei a vocês, será possível ver fotos e testemunhos escritos ou depoimentos com voz e vídeo das centenas de pessoas que ainda vivem hoje em dia e passaram por tais humilhações em todo o globo, onde a franquia dessas igrejas alcançou.
   Os alunos, todos eles, direcionaram os olhos para seus notebooks e aparelhos de multimídia que traziam consigo, e, de modo quase instintivo, tentaram clicar no link para ver ali, naquele instante, os depoimentos dos “sobreviventes”.
   O professor os interrompeu:
— Agora não! Ao findar a aula, ou de preferência em casa!
  Todos olharam para frente em direção ao mestre e ele continuou:
— Vocês terão muito tempo e recomendo que façam isso de coração limpo. Como futuros antropólogos, vocês não devem se envolver emocionalmente com certos casos, para que sua pesquisa não se torne apenas um objeto de vingança. A intenção é que, ao darmos nossa contribuição à história, possamos demonstrar o quão prejudicial pode ser o radicalismo, não importa o setor.
    Os alunos menearam a cabeça em sinal de afirmação e o docente prosseguiu:
— É importante não deixar que o ódio ou a raiva por aqueles infames “sábios da fé” que oprimiu milhões de mente em todo o globo por quase um século e trouxe atraso moral, financeiro e intelectual para muita gente, tire o foco do nosso objetivo que é pura e simplesmente estudar o comportamento humano, suas crenças, cultura e outras coisas mais que dizem respeito a esse curso. Querendo ou não, ao estudarmos o passado, descobrimos como prevenir os mesmos erros no futuro.
     O professor pigarreou, limpou a garganta e continuou:
— Sei que, querendo ou não, vocês poderão ter algum sentimento, já que a maioria de nós ainda viveu parte desse antigo regime feudal, sendo que estamos há menos de duas décadas desde o início desta nova era. Os seus pais e avôs foram cúmplices, omissos ou manipulados por toda essa malignidade implantada nos corações daqueles líderes religiosos.
     Os alunos confirmavam silenciosamente o que lhes era dito.
     O professor complementou:
— Boa parte dos homens que fundaram ou dirigiram igrejas durante o século XX eram semianalfabetos. Ainda assim, diziam conhecer o profundo e o oculto do coração de Deus, quando mal conheciam suas próprias razões. Aquilo que eles diziam ser Deus, Dele ou para Ele, era de fato apenas achismos, misticismo ou oportunismo. Certos conceitos que diziam ser mandamentos bíblicos ou ensinamentos divinos eram apenas o reflexo da própria ganância, covardia, soberba, lascívia e prepotência ou da perversão sexual e do sonho de grandeza de cada um deles. Nunca foi Deus e nunca o será!
    Esta última fala silenciou o coração da plateia.
    Era como se desse para ler em suas mentes a intenção de corrigir as injustiças sofridas por seus antepassados. Toda aquela gente que, ao serem lobotomizadas, jogou suas vidas, finanças, juventude, sonhos e projetos nas mãos daqueles que somente depois de muitos anos, foram reconhecidos como manipuladores e oportunistas.
    O professor, mostrando alguns slides na gigantesca tela de cristal líquido onde se projetavam alguns trechos de sua fala, apontou para a imagem de uma senhora de cara triste e suas filhas de igual aparência.
    O docente prosseguiu:
- Entre outras coisas, por exemplo, o uso de óculos de sol, brincos, batons, pulseiras, colares, calças jeans (mesmo para homens), bonés, shorts, bermudas, blusas com decote ou transparente e certos cortes de cabelo eram terminantemente proibidos.
   Silêncio...
    A voz do mestre continuou:
— Se uma mulher (jovem, idosa, criança ou adolescente) fosse pega pintando as unhas com esmaltes (não importando a cor), podia ser apedrejada (literalmente). Pelo menos uma boa disciplina (afastamento de todas as funções na igreja, inclusive a de ser crente e "salvo") lhe era aplicada. Quando não era reprimida em público, ao chegar em casa, no segredo da família, “o pau quebrava” em nome de uma suposta santidade. Em casos assim, o “corretivo” precisava ser comunicado aos membros da igreja posteriormente, para servir de alerta a todos. Em outros casos, a “pecadora” tinha de vir a público confessar o seu pecado, jurar que estava arrependida e que jamais cometeria o mesmo “crime”. Se o caso fosse mais grave, como pintar a unha na cor vermelha (a cor da pomba gira), a infratora tinha que assumir que teve seu corpo tomado pela entidade e, nesses casos, precisava passar pela humilhação de ser exorcizada pelo corpo de obreiro, ou seja, "os mais santos entre os santos".
    O professor podia ouvir a respiração dos seus alunos aumentando, como se imaginassem suas avós, ainda mocinhas, passando por esse tipo de vitupério.
    O professor completou:
— Pior que ser considerado um pecador era ser considerado um crente com demônios! Era a humilhação máxima que qualquer fiel poderia passar.
   O docente passou a descrever a cena e podia ver os punhos de muitos deles se fechando, como sinal de combate, como se diante dos seus olhos estivesse o carrasco dos seus genitores.
- O “pecador” era posto em frente ao altar da igreja logo abaixo do púlpito, onde as mãos do pastor pudessem alcançar, mesmo estando a uma certa distância e altura, já que a nave da igreja era em média uns 40 centímetros mais alto que o resto do piso. Em volta do “endemoniado” as pessoas “mais santas da igreja” eram posicionadas. Isso incluía dirigentes de círculo de oração, diáconos, presbíteros, evangelistas, o próprio pastor e todos os “obreiros consagrados” ali disponíveis.
   O professor viu uma aluna da primeira fileira de assentos limpar sutilmente uma lágrima que rolou do canto do seu olho esquerdo.
    Ele suspirou e complementou.
— Daquele evento esperava-se tudo: havia aqueles que, a fim de evitarem uma maior humilhação fingiam desmaio e ficavam descordadas até o fim do culto; havia os que se viam obrigados a confessar coisas que não fizeram só para que a humilhação fosse ligeira(no caso, o “demônio” confessava); e até pessoas, que se aproveitando da raiva que sentiam por alguns lunáticos ali presentes, simulavam possessão para esmurrar e dar pontapés em toda gente chata e patética.
    Nessa última frase, a sala inteira explodiu em risos e, de repente, aquele sentimento de ira e vergonha foi substituído por um sentimento de reciprocidade na gargalhada.
    Quase que em uníssono, muitos comentaram:
— Eu faria o mesmo! Já que o demônio receberia a culpa, eu ia quebrar a cara de muita gente ali!
     Risos se espalharam, tornando o ambiente bem mais agradável que nos últimos 5 minutos.
     O professor achou que aquele seria um bom momento para encerrar a aula e, de forma abrupta, como se fosse um comediante de stand up que foca saídas desse tipo, disse à classe:
— Bom pessoal, por hoje é só! Na segunda-feira daremos seguimento ao assunto sobre USOS E ABUSOS NOS COSTUMES CONGREGACIONAIS DO SÉCULO XX. Ótimo fim de semana a todos. Façam em casa as atividades recomendadas.
    Alguns alunos interromperam dizendo:
— Professor, ainda faltam 10 minutos para seu tempo findar. Suas aulas são as melhores! Mesmo se passar duas horas além do tempo previsto, não haveria problema algum, não é classe?
   Como se fosse uma única voz, a classe em peso confirmou o enunciado.
   O professor, sem querer se grosso, mas afiado como uma espada de samurai, interrompeu dizendo:
— Por isso que dizem que sou o melhor: respeito o horário, incentivo a interação e deixo sempre um suspense para o próximo capítulo! Até a próxima, pessoal!
    E, pegando sua mochila, retirou-se da sala, seguido por um grupo que tentava (quase todos os dias) extrair um pouco da próxima aula.
    Ele sempre interrompia fazendo perguntas pessoais aos alunos, sobre seus familiares, passatempos, parentes, o clima, etc..
     Assim, fazia desfigurar o ar de sabichão que outros professores rotulavam e se tornava mais humano, ao se mesclar com “gente comum”. De quebra, ganhava a simpatia da classe!
     CONTINUA....
Texto escrito em 21/07/25

    *Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Obs.:
Esta é a quinta parte do conto: O POVO PAGÃO, iniciada em Janeiro deste ano.
Caso queira, nesta mesma página ou canal, é possível encontrar as outras 4 partes desse conto. Se não o encontrar, entre em contato o autor.
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AGUARDEM O PRÓXIMO CAPÍTULO!
Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 27/07/2025
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